O assalto é a modalidade de violência que mais leva pacientes a desenvolver um mal descoberto recentemente pela medicina: o estresse pós-traumático. A constatação é de um levantamento feito pelo Prove (Programa de Atendimento às Vítimas de Violência e Estresse) da Unifesp (Universidade Federal de São Paulo).
"O assalto é um evento abrupto, que surpreende. A pessoa nunca está preparada para lidar, pois sabe que sua vida está em risco", explica a psicóloga do Prove, Mariana Pupo. Ela diz que as reações de susto e medo são aceitáveis até um mês após a situação que a desencadeou, depois disso é hora de buscar ajuda.
Excesso de lembranças das cenas de violência vividas e desconfiança contínua são os principais sintomas da doença (veja os demais na arte ao lado).
Especialistas explicam que assim como a depressão, atualmente o estresse pós-traumático é encarado como transtorno psiquiátrico e precisa de tratamento.
Os assaltos somados à agressão motivaram 41,5% dos atendimentos realizados pelo Prove em 2007. O homicídio de pessoa próxima aparece como segunda causa com 15,6%. Violência sexual vem em terceiro lugar (13,7%). Sequestros, em suas múltiplas formas - relâmpago, em cativeiro ou de uma pessoa próxima -, representam 12,7% dos casos dos pacientes atendidos no programa. Os demais (16,5%) estão distribuídos em diferentes categorias, como violência doméstica e acidentes.
A psicóloga e diretora do Instituto Brasileiro de Estresse Pós-Traumático, Regina Vera Dias, diz que o ideal é que os pacientes busquem ajuda até 72h após o trauma - período em que o cérebro ainda não absorveu o problema e criou a síndrome. "Neste tempo o trauma ainda não foi armazenado e com técnicas é possível ‘deletar o arquivo''. Às vezes, a pessoa faz de tudo para esquecer o trauma, mas nem sempre este é o melhor caminho", diz Regina.
Técnicas - Cada profissional tem uma maneira própria de trabalho, mas de um modo geral, eles repetem a combinação de medicamento e terapia para o tratamento. Na parte cognitiva, o objetivo dos especialistas é fazer com que o paciente reviva o trauma e encontre soluções para diminuir o sofrimento. A equipe do Instituto Brasileiro de Estresse Pós-Traumático, por exemplo, utiliza uma técnica que projeta a vítima para a cena do trauma e possibilita que ela relembre os fatos sem sofrimento.
Na região, a Faculdade de Medicina do ABC oferece atendimento ao transtorno por meio do Sepa (Serviço de Orientação Psicológica ao Aluno). O psicólogo da Faculdade de Medicina do ABC, Nilson Rodrigues da Silva, lembra que a maior divulgação do estresse pós-traumático faz com que especialistas consigam chegar a um diagnóstico mais rápido e preciso, o que facilita o tratamento.
Violência é um ‘gatilho'' para o transtorno
Psicólogos apontam que as reações perante a violência têm relação com o componente genético e o ambiente, por isso diferem muito entre uma pessoa e outra. Várias vezes, no entanto, elas funcionam como um ‘gatilho'' para desenvolver um trauma.
"As pessoas vivem amedrontadas ou no limite por causa do trânsito, trabalho e crise. Atribuo a facilidade de se traumatizar ao caos da cidade", conta a diretora do Instituto Brasileiro de Estresse Pós-Traumático, Regina Vera Dias. Ela explica que o assalto lidera o ranking da motivação da patologia - também observado nos atendimentos feitos pelo instituto - porque causa sensação de impotência. Apesar do sequestro trazer consequências ainda mais complicadas, é praticado em menor quantidade. "O ser humano é formado para ter controle de tudo. Trabalha para ter dinheiro, paga convênio médico para se sentir seguro, e durante uma situação dessas sente-se refém", completa.
A psicóloga da Unifesp, Mariana Pupo, explica que enquanto houver violência haverá o estresse pós-traumático, por isso é preciso saber lidar com ele. "É uma doença que veio para ficar." Diante desta realidade, o maior problema ocorre quando o mal deixa de ser tratado e se torna crônico. "Há pessoas que nunca mais conseguiram voltar a trabalhar. Há outras que se adaptam à estrutura doente. Mas é preciso buscar ajuda porque ninguém melhora sozinho."
Regina Vera lembra que outra problemática do não-tratamento deste tipo de estresse é acumular uma segunda doença, como depressão ou síndrome do pânico. que geralmente aparecem entre três a seis meses depois do trauma consolidado e ignorado. O câncer também figura como doença com carga genética e pode ter fundo emocional.
Casal se mudou para o Interior após seqüestro
Foi há sete anos, mas Maria (*), 68 anos, relembra a situação com a emoção de um evento recente.
Ela e o marido estavam a caminho de casa, na Avenida 31 de Março, no Rudge Ramos, em São Bernardo, por volta das 19h, num dia de semana, quando foram abordados por dois homens no semáforo fechado. Um de cada lado. O marido, Francisco (*), hoje, com 75 anos, dirigia o carro.
O assaltante apontou a arma para Francisco e pediu que fosse para o banco de trás. Dois rapazes entraram. Maria continuou no banco do passageiro. Os criminosos exigiram que o casal entregasse o cartão magnético para que sacassem dinheiro. Foram mais de R$ 1.000 em uma caixa-eletrônico de São Caetano.
Apesar de atender as exigências, o casal era ameaçado o tempo todo. Os homens diziam que os matariam e jogariam os corpos na Represa Billings. Foram mais de duas horas de tensão. "Eu só rezava baixinho e pedia para Deus nos proteger", lembrou Maria.
Como estavam em alta velocidade, no bairro Taboão, em São Bernardo, o ladrão chegou a bater o carro. Num trecho do bairro, ele parou o veículo, exigiu que Francisco voltasse para a direção e seguisse caminho sem olhar para trás. Ainda trêmulos, mas sem sequelas físicas, os aposentados passaram na casa de um dos filhos, no bairro Paulicéia, e seguiram até a delegacia mais próxima para registrar a ocorrência.
Maria diz que depois disso o casal viveu dois anos de pavor, com medo de tudo. "Não tinha mais coragem de sair na rua e olhar para as pessoas."
A vida recomeçou quando eles decidiram se mudar para a chácara em Capivari, no Interior. "Hoje tenho uma vida gostosa. As crianças vêm nos visitar nos finais de semana e estamos felizes."
O maior medo é de que alguém da família que está toda no Grande ABC reviva a cena de violência.
(*) nomes fictícios
Assaltos causam trauma a atendente
A atendente Simone Alves Pagiato, 28 anos, tornou-se uma pessoa medrosa desde que sofreu o primeiro assalto há dois anos. Os criminosos invadiram sua casa no Jardim Ipanema, em Santo André, de madrugada, enquanto ela e o marido dormiam. Roubaram bolsa, carteira, roupas e sapatos, e saíram, provavelmente pela porta da sala, sem serem notados.
"Acredito que eles tenham entrado pela casa vizinha que estava em construção, pois ela dava fácil acesso à nossa", conta Simone.
O segundo assalto ocorreu recentemente, em janeiro, na Avenida dos Estados, sentido Capital. Simone e o marido estavam no trânsito, parados no semáforo vermelho quando um rapaz os abordou com uma faca em punho pedindo dinheiro. O casal respondeu que não tinha e ofereceu o telefone celular. O asssaltante pegou, mas não satisfeito, se atirou dentro do veículo e roubou o som. "Os demais carros buzinaram para tentar assustá-lo, mas não adiantou. Até dava para reagir, mas não quisemos arriscar."
Simone diz que não tem o hábito de andar de carro com os vidros abertos, mas abriu uma exceção naquele dia porque o dia estava ensolarado e bonito. "Foi um momento de descuido, mas hoje em dia, acho que ficou um trauma. Tenho medo de sair à noite, evito o máximo. Quando estou de carro e alguém se aproxima, meu coração acelera. É muito ruim."
A mesma sensação é compartilhada pela cabeleireira Gabriela (*), 28, moradora de Santo André. Ela foi assaltada há dois anos quando voltava da padaria com a mãe durante a tarde. "Fomos comprar pão para tomar café. Minha mãe desceu na padaria e eu fiquei no carro. Os assaltantes apareceram assim que ela voltou com as compras."
Os criminosos estavam armados e levaram o carro. O trauma ficou. "No começo ficava relembrando as cenas e sofrendo por coisas que não aconteceram, com a possibilidade de ele ter atirado. Hoje desconfio de todo mundo e desde então, nunca mais fiquei sozinha dentro de um carro esperando alguém."
http://www.dgabc.com.br/News/5730676/assaltos-causam-transtorno-psicologico.aspx
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